sábado, 24 de maio de 2008

Trecho do Livro Universo Elegante

"Algum tempo depois, vê-se que o melhor desenho que Crispim consegue fazer é o da figura 6.4(a). Observando as trajetórias das bolas de gude após o choque, ele percebe que o caroço é pequeno e tem a superfície dura, mas isso é praticamente tudo o que consegue descobrir. As bolas são demasiado grandes para poder registrar a estrutura corrugada do objeto. Mas quando ele olha para o desenho de Joaquim (figura 6.4(b)), fica surpreso de ver que está muito melhor. Logo, contudo, ele percebe a causa ao olhar para o arremessador de Joaquim: as partículas arremessadas por ele são pequenas o bastante para que o ângulo dos ricochetes reflita as características mais flagrantes da superfície do caroço. Desse modo, arremessando muitas esferas de cinco milímetros e observando as suas trajetórias após o choque, Joaquim pôde desenhar uma imagem mais detalhada. Crispim, com o orgulho ferido, volta para o seu arremessador e o carrega com partículas ainda menores — bolinhas de meio milímetro — suficientemente pequenas para refletir, em seus ricochetes, as irregularidades mais miúdas da superfície do caroço. Observando as trajetórias após o choque, ele consegue desenhar a imagem vencedora, mostrada na figura 6.4(c).

A lição oferecida por essa pequena competição é clara: para serem úteis, as partículas de sondagem não podem ser substancialmente maiores do que os aspectos físicos que estão sendo examinados; de outra maneira, elas não serão sensíveis às estruturas de interesse.

Evidentemente, esse mesmo raciocínio vale se quisermos examinar o caroço ainda mais pormenorizadamente para determinar a sua estrutura atômica e subatômica. Bolinhas de meio milímetro não proporcionarão nenhuma informação útil; são grandes demais para ter qualquer sensibilidade com relação às escalas atômicas. É por isso que os aceleradores de partículas usam prótons ou elétrons como sondas, já que o seu tamanho diminuto torna-os muito mais adequados à tarefa. Nas escalas subatômicas, onde os conceitos quânticos tomam o lugar do raciocínio clássico, a medida mais apropriada para a sensibilidade de sondagem de uma partícula é o seu comprimento de onda quântico, que indica a janela de incerteza na sua posição. Esse fato reflete a nossa discussão sobre o princípio de Heisenberg, no capítulo 4, na qual vimos que a margem de erro quando se utiliza uma partícula puntiforme como sondagem (a discussão centrava-se nos fótons, mas pode referir-se a todas as outras partículas) é aproximadamente igual ao comprimento de onda quântico da partícula utilizada. Em linguagem menos técnica, isso significa que a sensibilidade de sondagem de uma partícula puntiforme torna-se imprecisa por causa da agitação quântica, assim como a precisão do bisturi do cirurgião fica comprometida se a sua mão treme. Mas lembre-se de que no capítulo 4 também notamos o fato importante de que o comprimento de onda quântico de uma partícula é inversamente proporcional ao seu momento, o qual, em termos gerais, corresponde à sua energia. Assim, aumentando a energia de uma partícula puntiforme, podemos tornar o seu comprimento de onda quântico cada vez menor — e a imprecisão quântica também diminui progressivamente — e desse modo podemos utiliza-la para sondar estruturas físicas cada vez menores. Intuitivamente, as partículas com mais energia têm maior poder de penetração e, portanto, podem fazer sondagens nos traços mais diminutos.
Nesse sentido, a distinção entre as partículas puntiformes e as cordas se torna manifesta. Tal como no caso das esferas maiores que sondavam a superfície de um caroço de pêssego, a extensão espacial inerente à corda a impede de sondar a estrutura de qualquer coisa que seja significativamente menor do que o seu próprio tamanho — nesse caso, as estruturas que surgem em escalas menores do que a distância de Planck. Com precisão algo maior, em 1988 David Gross, então na Universidade de Princeton, e seu aluno Paul Mende mostraram que quando se leva em conta a mecânica quântica, o aumento progressivo da energia de uma corda não leva ao aumento progressivo da sua capacidade de sondar estruturas menores, o que contrasta diretamente com o que acontece com uma partícula puntiforme. Eles verificaram que quando a energia de uma corda aumenta ela é inicialmente capaz de sondar estruturas de escalas menores, tal como uma partícula puntiforme com alta energia. Mas quando a energia aumenta além do valor requerido para sondar estruturas na escala da distância de Planck, a energia adicional não produz resultados favoráveis. Ao contrário, ela faz com que a corda cresça em tamanho, o que diminui a sua sensibilidade para as distâncias curtas. Com efeito, embora o tamanho típico de uma corda seja a distância de Planck, se continuássemos a adicionar-lhe energia — em níveis que superam a nossa mais desenfreada imaginação, mas que podem ter sido atingidos durante o big-bang — faríamos com que a corda crescesse a dimensões macroscópicas, o que a tornaria totalmente inadequada para sondar o microcosmos! É como se, ao contrário das partículas puntiformes, as cordas tivessem duas fontes de imprecisão: a agitação quântica, tal como para as partículas puntiformes, e também a sua própria extensão espacial. O aumento da energia da corda diminui a imprecisão resultante da primeira fonte mas aumenta a resultante da segunda fonte. A conseqüência é que por mais que se tente, a extensão espacial da corda impede o seu uso para sondar fenômenos que ocorrem em escalas inferiores à distância de Panck.

Mas o conflito entre a relatividade geral e a mecânica quântica deriva das propriedades do tecido espacial nessas escalas inferiores à distância de Planck. Se o componente elementar do universo não pode sondar um espaço inferior à distância de Planck, então, nem ele nem nada composto por ele pode ser afetado pelas ondulações quânticas supostamente desastrosas daquelas distâncias mínimas. E o mesmo que acontece quando passamos a mão por uma superfície de mármore polido. Embora no nível microscópico o mármore apresente uma textura granulada e irregular, os nossos dedos não são capazes de detectar essas variações de pequena escala e a superfície lhes parece perfeitamente lisa e uniforme. Os nossos dedos, grandes e grossos, tornam imperceptível a granulação microscópica. Do mesmo modo, como a corda tem extensão espacial, a sua sensibilidade para as distâncias curtas também tem limites. Ela não pode detectar variações nas escalas inferiores à distância de Planck. Assim como os nossos dedos no mármore, também as cordas tornam imperceptíveis as flutuações ultramicroscópicas do campo gravitacional. Embora as flutuações resultantes sejam ainda substanciais, esse efeito nivelador suaviza-as o suficiente para resolver a incompatibilidade entre a relatividade geral e a mecânica quântica. Principalmente, os infinitos perniciosos (discutidos no capítulo precedente) que afetam a construção de uma teoria quântica da gravidade com base nas partículas puntiformes são eliminados pela teoria das cordas.

Uma diferença essencial entre a analogia do mármore e o nosso interesse pelo tecido espacial é que efetivamente existem maneiras de expor a granulação microscópica da superfície do mármore: podem-se usar instrumentos mais finos e mais precisos do que os dedos. Um microscópio eletrônico tem capacidade para expor as características de uma superfície de menos de um milionésimo de centímetro; isso é suficientemente pequeno para revelar as numerosas imperfeições dessa superfície. Por outro lado, na teoria das cordas não há nenhuma maneira de expor as "imperfeições" inferiores à escala de Planck no tecido do espaço. Em um universo comandado pelas leis da teoria das cordas, a noção convencional de que é sempre possível dissecar a natureza em escalas cada vez menores, sem limite, não corresponde à realidade. Existe um limite, e ele entra em ação antes que encontremos a espuma quântica devastadora que aparece na figura 5.1. Dessa maneira, em um sentido que ficará mais claro nos capítulos posteriores, pode-se mesmo dizer que as supostas ondulações quânticas inferiores à escala de Planck não existem. Um positivista diria que uma coisa existe somente quando pode — pelo menos em princípio — ser examinada e medida. Como a corda é considerada o objeto mais elementar do universo, e uma vez que é grande demais para ser afetada pelas ondulações violentas do tecido espacial nas escalas inferiores à distância de Planck, tais flutuações não podem ser medidas e, por conseguinte, de acordo com a teoria das cordas, não chegam a ocorrer.

PRESTIDIGITAÇÃO?

Essa discussão pode não lhe ter parecido muito satisfatória. Em vez de mostrar que a teoria das cordas é capaz de domar as ondulações quânticas do espaço nas escalas inferiores à distância de Planck, aparentemente usamos o tamanho nulo das cordas apenas para contornar a questão. Será que resolvemos alguma coisa? Resolvemos sim. Os dois próximos comentários esclarecerão esse ponto.

Em primeiro lugar, a implicação do argumento precedente é que as flutuações espaciais supostamente problemáticas das escalas inferiores à distância de Planck são conseqüências artificiais da formulação da relatividade geral e da mecânica quântica em termos de partículas puntiformes. Nesse sentido, portanto, o conflito capital da física teórica contemporânea é um problema criado por nós mesmos. Como imaginávamos que todas as partículas de matéria e todas as partículas de força tivessem a dimensão de um ponto, literalmente sem extensão espacial, estávamos obrigados a considerar as propriedades do universo em escalas de distância arbitrariamente pequenas. E nas menores de todas as distâncias incorríamos em problemas aparentemente insuperáveis. A teoria das cordas nos diz que encontramos esses problemas apenas porque não entendemos as verdadeiras regras do jogo; essas regras nos informam que existe um limite para a possibilidade de examinar o universo em distâncias curtas — um limite real à possibilidade de aplicação da nossa noção convencional de distância à estrutura ultramicroscópica do cosmos. Vemos agora que as flutuações espaciais supostamente perniciosas apareceram nas nossas teorias porque não nos demos conta da existência desses limites e fomos levados pela concepção das partículas puntiformes a ultrapassar grosseiramente as fronteiras da realidade física.

Dada a aparente simplicidade dessa solução para superar o problema entre a relatividade geral e a mecânica quântica, você deve estar se perguntando por que demorou tanto para que alguém sugerisse que a concepção das partículas puntiformes fosse uma mera idealização e que no mundo real as partículas elementares têm extensão espacial. Isso nos leva ao segundo comentário. Há muito tempo, algumas das maiores cabeças da física teórica, como Pauli, Heisenberg, Dirac e Feynman chegaram a sugerir que, na verdade, os componentes da natureza não eram pontos, mas sim pequenas "bolhas" ou "pepitas"ondulantes. Eles e outros mais, contudo, verificaram ser muito difícil construir uma teoria cujo componente fundamental não fossem as partículas puntiformes, sem que a teoria perdesse a sua coerência com relação aos princípios físicos mais básicos, como a conservação das probabilidades da mecânica quântica (de modo que os objetos físicos não possam desaparecer subitamente do universo, sem deixar traço) e a impossibilidade da transmissão de informações a velocidades maiores do que a da luz. Mesmo adotando diferentes perspectivas, as pesquisas mostravam continuamente que pelo menos um desses dois princípios era violado ao se descartar o paradigma das partículas puntiformes. Por muito tempo pareceu impossível desenvolver uma teoria quântica plausível que não estivesse baseada nas partículas puntiformes. O aspecto mais impressionante da teoria das cordas é que mais de vinte anos de pesquisas exaustivas revelaram que, embora algumas de suas características sejam incomuns, ela respeita todas as propriedades indispensáveis a qualquer teoria física plausível. Além disso, graças ao padrão vibratório do gráviton, a teoria das cordas é uma teoria quântica que contém a gravidade.”