segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Facas cegas de um só gume


PARTE I - AS IDÉIAS


É interessante como quase todos os debates sobre diferenças sociais e comportamentos caem no Nature x Nurture, e no chamado direito natural. Mas creio que grande parte desses debates, assim como diversas das referências, incorrem em erros comuns.



O determinismo


A princípio, há as críticas dos que defendem arduamente os fatores histórico-culturais como os maiores elementos desencadeantes do comportamento social atual. Sua principal indignação é o determinismo que os naturalistas impõem. Oras, veja que se considerarmos os genes ou os valores adaptativos como principais fatores, trata-se de determinismo, sem dúvida. Mas não estaria a humanidade também sob o determinismo histórico, se pensarmos de modo oposto?


Exceto os que consideram a existência de alma e transcendência – o que foge ao objetivo da abordagem cética que temos aqui – ninguém pode negar que o homem é fruto do conjunto de sua natureza e fatores histórico-culturais. Defendendo Nature ou Nurture, somos todos deterministas e reducionistas, pois reduzimos o homem às contingências determinantes.



Parcialidade


Há os defensores de um e outro lado que ignoram os argumentos contrários.

Mas um dos maiores princípios da genética é a de que a expressão é extremamente vinculada ao meio, e que os valores adaptativos se modificam com a evolução cultural e as alterações ambientais como um todo.


Por outro lado, não é possível pensarmos apenas no ambiente social como determinante de um comportamento, a não ser que se considere que o homem é um papel em branco. Mas isso seria ignorar a sua natureza física, relacionado ao corpo; seria considerar que o homem é fruto apenas de idéias, e que nada de material o influencia.


Assim, todos os argumentos que ignoram um ou outro aspecto são no mínimo parciais, ou até mesmo má-fé, em alguns casos.


Os culturalistas se afligem com as conseqüências éticas e políticas dos estudos biológicos, e têm sua razão nisso. Entretanto, a ciência busca, como princípio essencial, descrever o modo como a realidade se dá. Mas a natureza não possui em si princípios éticos. A moralidade, a política, são propriedades culturais. Um cientista idôneo não pode ser tendencioso, do contrário seus resultados seriam questionáveis e aplicáveis apenas à sua perspectiva pessoal. Assim, o levantamento de questões científicas e os resultados obtidos não podem submeter-se aos princípios éticos culturais – apesar de os meios utilizados para isso deverem ser questionados. Se o forem, nosso conhecimento da realidade será sempre a politicamente correta, e nenhuma descoberta real terá sido realizada.


O problema, portanto, não são as pesquisas que associam o comportamento a algum fator biológico. Se o conhecimento da realidade é uma busca de todos, a censura dos experimentos deste tipo seria uma forma de alienação.


O erro está nas inferências a partir destes resultados – tanto da parte de culturalistas como de naturalistas



A falácia do direito natural


Alguns naturalistas colocam que, pelo fato de instintos associarem-se a alguns comportamentos, isto os leva à categoria de “natural”, e, portanto, devem ser respeitados – o famoso direito natural. A meu entendimento, isso é uma falácia.


A falácia do direito natural deve-se ao fato já mencionado de que os princípios éticos são propriedade cultural. É fato, também, que a própria instituição da sociedade pode ser considerada como respondendo à princípios de adaptação. Mas, então, gera-se dois argumentos contrários à lógica do direito natural:


O direito em si é algo que retrata o que nossa razão determina como certo e errado, por mais que esta razão seja estritamente contingenciada, e tem como finalidade a manutenção da sociedade em coesão. Assim, se determinado comportamento, por mais que seja instintivo, tiver um valor contrário à esta coesão, não há porque ser mantido.


Pode-se ainda argumentar que fere os princípios da liberdade individual a não manutenção de um comportamento instintivo, e que, portanto, isso é absurdo. Entretanto, toda e qualquer sociedade é constituída por regras que visam a si, e isso reflete seu valor adaptativo como grupo coeso. O paradoxo entre liberdade individual e esforço coletivo se mantém, neste sentido, em qualquer sociedade na natureza.


Os culturalistas, ao invés de questionarem a validade do próprio direito natural, questionam a veracidade dos resultados de experimentos que possam acarretar inferências sobre o certo e o errado. Assim, restringem-se a uma explicação única da realidade, ignorando fatores que podem ser importantes na compreensão do porque as coisas são como se dão. Além disso, agindo assim, subliminarmente concordam com a utilização destes dados para estabelecer-se os princípios éticos e as políticas públicas.


Como Simone de Beauvoir cita, “em verdade, a natureza, como a realidade histórica, não é um dado imutável(1). Não há um dever-ser. Os dados históricos, assim como os biológicos, apenas nos levam a uma compreensão dos aspectos que envolvem a realidade presente. Mas não determinam necessariamente como o futuro pode ser, ou como é interessante ou justo nos comportar em sociedade.


Mas vamos aos fatos.




Referências Bibliográficas:


(1) Beauvoir, S. O Segundo Sexo: Fatos e Mitos. 4a. edição, v. 1. Difusão Européia do Livro, 1970.


4 comentários:

tork disse...

então, está muito bom... gostei!

Paula disse...

Obrigada. Gostei do seu blog.

Anónimo disse...

Li alguns textos de vcs,que me parecem muito bons,confesso que não sou nenhum filosofo, antropologo nem nada do genero.Na opinião de vc qual a função de todas essas explicações sobre os diversos assuntos?

Paula disse...
Este comentário foi removido pelo autor.