sábado, 12 de junho de 2010

Asta la vista, amigos.

Trilha sonora de despedida:




Era uma vez um cara chamado Caio que se mudou, com a esposa, para Portugal. Longe dos amigos, do sol e do surf, em plena neve e com o mestrado ainda incipiente, sobrou-lhe o ócio.

No outro continente, a Paula resolveu se mudar para Curitiba. Longe da família e dos amigos, numa cidade gelada e com o doutorado ainda incipiente, sobrou-lhe o ócio.

O que fazem as pessoas ociosas com ADSL disponível? É claro que debatem em comunidades de filosofia do orkut! E assim foi.

O Caio e a Paula eram totalmente diferentes entre sí, Minestrone e Bolognesa. Mas compartilhavam de muitas idéias e gostavam de debatê-las. Daí nasceu o blog.

Quase todos os textos publicados eram, na verdade, resultado dessas discussões. Um deles escrevia, enviava para o outro para chegar a um consenso sobre possíveis novas discordâncias, e lá estava a idéia final, pronta.

Mas o tempo passou, e o Caio se tornou papai de uma menininha linda. Junto com isso, o mestrado começou a mostrar porque é que a maioria das pessoas não se animam a fazê-lo.

Pouco tempo depois, o doutorado da Paula também começou a fazer suas exigências improrrogáveis.

Os tempos de ócio, então, findaram-se.

O Caio, ás vezes, aparecia e dizia: "Vou escrever um texto para o blog, assim que der!" Mas é claro que a nossa vida diária nem sempre colabora com as nossas intenções.

A Paula até que tentou, algumas vezes, publicar textos. Mas com o tempo disponível reduzido, a mente concentrada em outras coisas, e sem as idéias e debates com o Caio, o blog foi progressivamente decaindo.

A finalidade de um blog é expor idéias; ele não tem um fim último em si mesmo. A partir do momento em que as idéias é que servem ao blog, e não o contrário, ele perde seu sentido.

O Minestrone a Bolognesa, então, entra de férias indeterminadamente.

Obrigada aos amigos que sempre se dispuseram a pensar nossas idéias conosco. Nos vemos nos próximos bons tempos de ócio criativo!

domingo, 30 de maio de 2010

(Des)construção

Se a cultura efetivamente atua como causa e não apenas conseqüência de quem somos, todas as nossas observações são de uma perspectiva construída. Nossos paradigmas são contextuais.

E não são?




Antes do século XVIII, nós víamos o mundo sob o prisma do uniformitarismo.As relações sociais baseavam-se na "hereditariedade" do poder, as classes sociais eram estáticas, e as ciências - desde a teologia até a geologia - pregavam que o universo era também estático. As transformações eram tidas como ocasiões excepcionais dentro desta estabilidade.

Então veio a revolução burguesa, decorrente de um processo dialético instaurado progressivamente, e as relações sociais passaram a ser vistas de outro modo. A realidade estava em constante transformação. As mudanças são agora a regra, e não a exceção. As classes sociais nada mais tinham de estáticas, mas dependiam do próprio esforço. Era a idéia de meritocracia que se instalava em nossa sociedade.

A teologia passou a interpretar a bíblia numa "dialética diluviana", e apenas 70 anos depois da Revolução Francesa, quando a mentalidade do feudalismo estava definitivamente morta e enterrada, Darwin tem sua famosa idéia e publica A Origem das Espécies.Logo em seguida, no início do século XX, surge Einsten com sua Teoria da Relatividade, que originou a idéia de expansão do universo e a teoria do Big Bang.

Será coincidência que as idéias sociais e as idéias científicas andem tão de mãos dadas?

Podemos, então, pensar na questão do método, que a priori assegura a repetibilidade e confiança nas premissas científicas.

Entretanto, para usar como exemplo, o método atual é proveniente da filosofia de Descartes. Mas se a cultura é causa do que somos, Descartes também estava sob a influência de um contexto. E é verdade: seus princípios condizem com a idéia vigente em sua época de que as partes compunham o todo, também reflexo de um contexto social que passou a privilegiar o indivíduo e não a massa.

Há ainda a possível defesa de que o pensamento científico possui uma linearidade. Relações de causa e efeito, interações.

Mas a maneira de estabelecermos essas relações entre variáveis só levam a este determinado resultado porque utilizamos este determinado método. Com outro, o resultado muito provavelmente seria diferente.

Um bom exemplo para isso é a consciência. Suponhamos que não soubéssemos que ela existe, não a percebêssemos.

Um cientista resolve estudar o cérebro, e verifica sua morfologia, células, átomos. Ele vai concluir muitas coisas destas observações, mas com certeza ele não descobriria a existência da consciência.

A consciência é uma característica que depende da união de todas as variáveis. Ela emerge do conjunto, e não pode ser observada em cada parte deste. Um cartesianista separa estas variáveis, de modo que não visualiza uma propriedade emergente.

Então podemos afirmar, seguindo o exemplo acima, que a conclusão (hipotética) da inexistência da consciência é fruto de um contexto. Afinal, o resultado obtido faz parte e não pode ser vendido separadamente do método utilizado para alcançá-lo.

Para além das verdades científicas, o próprio processo de desconstrução cultural torna-se igualmente sem sentido para além do circunstancial. Trata-se de desconstruir algo para reconstruí-lo sob as perspectivas de um novo contexto. Nosso contexto.

Com essas desconstruções e reconstruções, sempre contextualizadas a partir de uma perspectiva própria, será que criamos paradigmas falsos? Ou será que os paradigmas anteriores é que eram falsos, e se chocam com a realidade?

Na verdade, sob esta lógica, nos cercamos de uma realidade viciada criada por nós mesmos. Acabaram-se, assim, os paradigmas minimamente sustentáveis. Como já disse Pascoal, estamos caminhando sobre degraus que continuamente se esvanecem. Correndo para pisar no próximo degrau e não cairmos num abismo onde não há nada para nos sustentar.E

ntretanto, enquanto escrevo isso, estou sendo influenciada pelo meu contexto. Vivemos num período pós-modernista, em que o relativismo domina sob todas as formas possíveis. Uau, que idéia original e inovadora é escrever algo que relativiza todo o conhecimento dentro de uma circunstância pós-moderna!

E, ao mesmo tempo, que tiro no próprio pé! Se as idéias são fruto do contexto – inclusive as minhas – então elas não podem ser verdadeiras para além deste momento.

Sim, você que está lendo também.

Ahnn, você discorda?

sábado, 15 de maio de 2010

O Imbecil Pós-Moderno


A pós-modernidade é uma corrente de pensamento muito popular no meio acadêmico atual que defende a tese de que a verdade não existe, sendo apenas fruto de um contexto histórico e válido apenas para este contexto.

Esse pensamento é muito comum entre os pseudo-intelectuais de orkut, que adoram usar esse argumento para dizer que cada contexto tem sua verdade e, portanto, não podem ser julgados ou comparados.

Ex: na HQE (2) abriram um tópico afirmando que sociedades matriarcais eram atrasadas em relação as patriarcais e um(a) imbecil pós-moderno respondeu:

“Nós só sentiríamos falta de anestesia, luz elétrica e companhia porque já as conhecemos e criamos necessidades. Ou você acha mesmo que nossas avós foram infelizes sem celular? Como podemos sentir falta e necessidade do que não conhecemos? As pessoas já viviam e existiam antes de todas as tecnologias, e um dia a máxima tecnologia já foi uma pedra polida. Não que eles sejam pré históricos, mas eles tem sua própria organização e conhecimentos. Não dá pra medir uma sociedade pela outra já que cada uma se baseia em códigos de valores diferentes.” – Isabelle

Atenção ao sublinhado: o imbecil pós-moderno nada mais faz do que defender o duplo critério. O que o imbecil pós-moderno tenta é evitar o confronto de idéias, o imbecil pós-moderno teme a dialética, travestindo-se de defensor da “igualdade” e acusando o interlocutor de preconceituoso.

Ex: ”Você está fazendo um julgamento de valores. E o faz enquanto homenzinho ocidental, cheio de preconceitos e de egocentrismo, tipicamente ocidentais: o homem branco, filho feito a imagem e semelhança de Deus e dominador da natureza!” - Lilian

O imbecil pós-moderno não aceita a idéia de que exista o avançado e o atrasado, o melhor e o pior, certo e errado, porque na cabeça dele:


1) Atrasado é sinônimo de inferior.


Vamos pegar a frase da Isabelle “Nós só sentimos falta de anestesia porque as conhecemos”. Para começar não precisamos conhecer anestesia para sentirmos falta dela, isso porque quando temos dor sentimos falta de algo para aliviá-la, ou seja, há uma necessidade a ser suprida, apenas não há os meios adequados para saná-la, tanto que antes da invenção da anestesia a dor era aliviada na base da cachaça.


Oras, tudo que o ser humano faz visa em essência duas coisas: busca pelo bem-estar e fuga do sofrimento. É da natureza humana, é instintivo. Não há nada relativo nisso.

Suponhamos que um africano precise extrair um dente, ele vai no curandeiro de sua tribo e o cara arranca o dente sem anestesia. Agora vamos supor que o africano tenha outra dor de dente, mas desta vez haja um médico da ONU no local e lhe dê anestesia para tirar o dente. Alguém aqui acredita que o africano, depois te ter extraído o dente com anestesia, vai querer voltar a extrair dente com o curandeiro próxima vez que tiver uma dor de dente?

Resumo: a tribo africana é SIM atrasada em relação aos ocidentais em relação a métodos de aliviar dor e sofrimento. A tribo africana é inferior ao ocidente por causa disso? Não.

Se A é atrasado não é porque B é inferior, mas sim porque B não teve as mesmas condições e oportunidades de se desenvolver como A. Se Joãozinho está atrasado na escola, é repetente e tira notas baixas, enquanto Pedrinho tira notas boas não é porque Joãozinho é inferior a Pedrinho. Joãozinho pode não ter tido as mesmas chances de Pedrinho. Joãozinho pode vir de uma família pobre, seus pais podem estar no meio de um divórcio turbulento, etc.

Isso explica, mas não justifica. Nada muda o fato de que Joãozinho tira notas boas e Pedrinho notas ruins, e portanto é melhor aluno, que extrair dente com anestesia é melhor do que extrair sem anestesia.

Esse é o 1º erro do imbecil pós-moderno, achar que quem defende que A é melhor que B considera B inferior e o tacha de preconceituoso, o que nos leva ao item 2.



2) Se você acha A melhor que B não é porque os fatos quando confrontados revelam isso, mas porque sua visão é produto apenas da cultura que você vive, não tendo nenhuma ligação com a verdade.

Por ex: se você acha que o matriarcado é atrasado é porque é um (usando as palavras da Lílian) “homenzinho ocidental, cheio de preconceitos e de egocentrismo, tipicamente ocidentais: o homem branco, filho feito a imagem e semelhança de Deus e dominador da natureza!”

Isso é a falácia do Bulverismo e pode ser expressa da seguinte forma:

-Você afirma que A (matriarcado é atrasado) é verdadeiro.

-O interlocutor afirma que por causa de B (você é um “homenzinho ocidental, cheio de preconceitos e de egocentrismo”) , você pessoalmente deseja que A seja verdadeiro.

-Portanto, A é falso.

A falácia consiste no seguinte: os motivos de uma pessoa nada alteram a validade do argumento usado por essa pessoa. Primeiro deve-se refutar o argumento para depois afirmar que fulano acreditou equivocadamente em “A” por motivo “X”.

Esse argumento é vil. O pós-moderno, ao acusar o outro de preconceituoso, automaticamente está se santificando. É como se dissesse subliminarmente: “se você é preconceituoso então significa que eu estou do lado do ‘bem’”.

Assim o pós-moderno constrói para si uma aura de santidade, cria a falsa imagem de quem não julga e é tolerante, causando a impressão de que ele está certo. Ao mesmo tempo em que evita o debate, pois evita ter que refutar os interlocutores acusando-os de ter uma visão limitada por causa do seu contexto cultural.

Oras, esse argumento de “você pensa assim por motivo cultural X” é um tiro no próprio pé dos pós-modernos.

Se a visão de quem acredita que A é melhor B é fruto do contexto cultural, e portanto inválida como verdade, então a visão do pós-moderno TAMBÉM é inválida, pois o pós-moderno que tenta refutar o interlocutor dizendo que ele pensa de forma “A” por causa do contexto cultural está refutando a si próprio porque o pensamento pós-moderno TAMBÉM é fruto do contexto cultural, é como querer provar que estatísticas não funcionam usando estatísticas.


Autor: Jack Deth (1)


Este texto foi originalmente postado na comunidade do Orkut “Mulheres Pseudo-Intelectuais


Notas:

(1) O texto acima foi gentilmente cedido pelo autor para a publicação neste blog
(2) HQE trata-se da comunidade do orkut “Homens: Quem Entende?”