A ausência da liberdade humana se dá em quatro diferentes níveis: o cárcere do sujeito, o das leis naturais, o circunstancial e o social. Não há, efetivamente, como fugirmos desta prisão. Mas não precisamos submetermo-nos passivamente a ela em todas as ocasiões.
O cárcere do sujeito
Se há algo sobre a qual todas as ciências parecem concordar é a determinação humana. Seja cultural, social ou biologicamente, o homem sempre é fruto das circunstâncias, nunca de si mesmo.
As circunstâncias passadas, sob todos os aspectos, formam o indivíduo de hoje, como já discutimos aqui. E esta determinação torna o homem seu próprio refém, sem possibilidades de optar por algo diferente do que sua maneira de ver o mundo lhe permite.
Entretanto, a consciência de sua prisão pode paradoxalmente oferecer a possibilidade de se auto-determinar. Esta é a maior liberdade oferecida à humanidade. Não é possível desvencilhar-se de si mesmo, mas é possível inserir elementos que levem a uma modificação futura de si.
Esta modificação é fruto da vontade, e a vontade resulta do sujeito pré-determinado, de modo que se trata de uma liberdade ilusória, obviamente.
Mas, por mais ilusória que seja, a auto-determinação exige a capacidade de perceber as próprias grades. E, ao fazer isso, vemos que muitas destas grades estão encostadas, sem cadeados. Basta empurrá-las, e aquela prisão não existe mais – ou não é mais sentida.
O cárcere do sujeito, apesar de inexorável, é suficientemente maleável para que possa destruir outras prisões.
O cárcere das leis naturais
O homem tem sua existência condicionada a leis naturais. Não é possível evitar o fisiologismo, tampouco alterar as condições do tempo ou as leis da física. Não podemos negar a morte, seja a própria ou a de outrem. A dialética da natureza é indiferente a nossa vontade.
A partir do momento que não podemos arbitrar sobre esta dialética, e ela atua sobre nós e em nós, a natureza constitui um novo cárcere.
É interessante como a própria condição humana aprisiona algo. Somos obrigados a nos submeter ás condições da própria existência. A maior parte destas condições pode ser liberta com a morte – mas a própria morte não é necessariamente resultado da vontade.
Se considerarmos a liberdade como a possibilidade de arbitrar segundo sua própria vontade, aprisionar-se de forma consensual é de alguma forma libertar-se. A única maneira, portanto, de livrar-se do cárcere das leis naturais é desejar esta prisão.
O cárcere circunstancial
Como conseqüência inevitável de nossa incapacidade de atuar sobre os fatores que nos rodeiam, ocorrem as circunstâncias indesejadas que também nos aprisionam.
Não posso fazer com que outra pessoa aja da maneira que me convém; não posso evitar que um ataque terrorista ocorra, ou que uma festa esteja maçante. As circunstâncias, portanto, nos dominam.
De modo paralelo, as circunstâncias são as que nos levam ao dilema sartreano sobre a liberdade: somos obrigados a optar. Mesmo a escolha por não optar é em si uma opção.
Entretanto, se não podemos nos livrar da prisão de nossa própria liberdade, podemos modificar diversas das grades circunstanciais.
Há que se lembrar que a realidade refere-se ao sujeito. Um homicídio em massa não ocorreu se ele não foi percebido por mim; a lua pode até continuar no céu enquanto não a observo, mas ela só está efetivamente lá se minha consciência a abrange. Do mesmo modo, os desastres só existem se forem percebidos por mim como tal.
Não me é possível modificar um fato, mas posso escolher a maneira como permito que ele atue sobre mim. Assim, em nosso universo subjetivo, as circunstâncias são apenas fatos sobre os quais é possível arbitrar em sua essência.
O cárcere social
A sociedade constitui as grades mais óbvias da prisão humana. Não é incomum o desejo de libertar-se dela. “O inferno são os outros”, já dizia Sartre.
Uma sociedade compõe-se, além dos outros, de regras. Qualquer convívio num grupo coeso necessita delas. Mas se as regras e valores sociais são interessantes para a coesão do grupo, ao mesmo tempo cerceiam a liberdade individual. O que é desejável para o grupo nem sempre é desejável para o indivíduo, e vice-versa.
Parece simples pensar que basta livrar-nos da sociedade, isolarmo-nos. Entretanto, o homem é um animal social. A marginalização é um castigo, a solidão significa sofrimento. Não parece, portanto, que o isolamento social seja efetivamente uma opção considerável. Sofremos com as grades que constituem os alicerces da sociedade, mas sofreríamos tanto ou mais ao nos livrarmos delas. A própria solidão pode ser um cárcere terrível.
A pretensa liberdade de escolha aqui, portanto, se dá entre duas masmorras igualmente indesejáveis e sufocantes. Optamos entre uma ou outra prisão, e isso não pode ser considerado liberdade – já que não temos a escolha de livrarmo-nos de ambas.
O interessante é que nós somos a sociedade. Os outros, em grande parte das ocasiões, são um reflexo de nós mesmos. É claro que a sociedade do controle descrita por Foucault existe, mas nós somos ao mesmo tempo suas vítimas e algozes.
As pessoas vivem tão profundamente a sociedade que ela se torna a única realidade concreta. Tudo o que existe, o que faz sentido e norteia encontra-se abarcado pelos valores sociais. O antropocentrismo iluminista alienou de tal maneira a humanidade que é necessário um esforço hercúleo para perceber algo além dela mesma.
Entretanto, a sociedade constitui-se meramente de convenções, e como tal, pode ser quebrada sem, no entanto, nos colocarmos à parte dela.
Se conseguirmos nos colocar como observadores externos, perceberemos que estas convenções só fazem sentido dentro do contexto a que estão aplicadas – a própria sociedade humana. É desejável, dentro do grupo, que constituamos uma massa uniforme, que consigamos poder, sucesso e o ideal romantizado do amor, mas não há uma razão em si para que os obtenhamos. Um amigo me disse que só sofre com o julgamento quem se considera digno dele. Do mesmo modo, os valores sociais só adquirem importância para quem os considera importantes; do contrário, a pressão social torna-se um fato insignificante.
A condenação humana está em sua ilusão de liberdade obrigatória, mas alguns dos trincos que nos cerceiam são, na realidade, fruto de nossa própria cegueira.
O cárcere do sujeito
Se há algo sobre a qual todas as ciências parecem concordar é a determinação humana. Seja cultural, social ou biologicamente, o homem sempre é fruto das circunstâncias, nunca de si mesmo.
As circunstâncias passadas, sob todos os aspectos, formam o indivíduo de hoje, como já discutimos aqui. E esta determinação torna o homem seu próprio refém, sem possibilidades de optar por algo diferente do que sua maneira de ver o mundo lhe permite.
Entretanto, a consciência de sua prisão pode paradoxalmente oferecer a possibilidade de se auto-determinar. Esta é a maior liberdade oferecida à humanidade. Não é possível desvencilhar-se de si mesmo, mas é possível inserir elementos que levem a uma modificação futura de si.
Esta modificação é fruto da vontade, e a vontade resulta do sujeito pré-determinado, de modo que se trata de uma liberdade ilusória, obviamente.
Mas, por mais ilusória que seja, a auto-determinação exige a capacidade de perceber as próprias grades. E, ao fazer isso, vemos que muitas destas grades estão encostadas, sem cadeados. Basta empurrá-las, e aquela prisão não existe mais – ou não é mais sentida.
O cárcere do sujeito, apesar de inexorável, é suficientemente maleável para que possa destruir outras prisões.
O cárcere das leis naturais
O homem tem sua existência condicionada a leis naturais. Não é possível evitar o fisiologismo, tampouco alterar as condições do tempo ou as leis da física. Não podemos negar a morte, seja a própria ou a de outrem. A dialética da natureza é indiferente a nossa vontade.
A partir do momento que não podemos arbitrar sobre esta dialética, e ela atua sobre nós e em nós, a natureza constitui um novo cárcere.
É interessante como a própria condição humana aprisiona algo. Somos obrigados a nos submeter ás condições da própria existência. A maior parte destas condições pode ser liberta com a morte – mas a própria morte não é necessariamente resultado da vontade.
Se considerarmos a liberdade como a possibilidade de arbitrar segundo sua própria vontade, aprisionar-se de forma consensual é de alguma forma libertar-se. A única maneira, portanto, de livrar-se do cárcere das leis naturais é desejar esta prisão.
O cárcere circunstancial
Como conseqüência inevitável de nossa incapacidade de atuar sobre os fatores que nos rodeiam, ocorrem as circunstâncias indesejadas que também nos aprisionam.
Não posso fazer com que outra pessoa aja da maneira que me convém; não posso evitar que um ataque terrorista ocorra, ou que uma festa esteja maçante. As circunstâncias, portanto, nos dominam.
De modo paralelo, as circunstâncias são as que nos levam ao dilema sartreano sobre a liberdade: somos obrigados a optar. Mesmo a escolha por não optar é em si uma opção.
Entretanto, se não podemos nos livrar da prisão de nossa própria liberdade, podemos modificar diversas das grades circunstanciais.
Há que se lembrar que a realidade refere-se ao sujeito. Um homicídio em massa não ocorreu se ele não foi percebido por mim; a lua pode até continuar no céu enquanto não a observo, mas ela só está efetivamente lá se minha consciência a abrange. Do mesmo modo, os desastres só existem se forem percebidos por mim como tal.
Não me é possível modificar um fato, mas posso escolher a maneira como permito que ele atue sobre mim. Assim, em nosso universo subjetivo, as circunstâncias são apenas fatos sobre os quais é possível arbitrar em sua essência.
O cárcere social
A sociedade constitui as grades mais óbvias da prisão humana. Não é incomum o desejo de libertar-se dela. “O inferno são os outros”, já dizia Sartre.
Uma sociedade compõe-se, além dos outros, de regras. Qualquer convívio num grupo coeso necessita delas. Mas se as regras e valores sociais são interessantes para a coesão do grupo, ao mesmo tempo cerceiam a liberdade individual. O que é desejável para o grupo nem sempre é desejável para o indivíduo, e vice-versa.
Parece simples pensar que basta livrar-nos da sociedade, isolarmo-nos. Entretanto, o homem é um animal social. A marginalização é um castigo, a solidão significa sofrimento. Não parece, portanto, que o isolamento social seja efetivamente uma opção considerável. Sofremos com as grades que constituem os alicerces da sociedade, mas sofreríamos tanto ou mais ao nos livrarmos delas. A própria solidão pode ser um cárcere terrível.
A pretensa liberdade de escolha aqui, portanto, se dá entre duas masmorras igualmente indesejáveis e sufocantes. Optamos entre uma ou outra prisão, e isso não pode ser considerado liberdade – já que não temos a escolha de livrarmo-nos de ambas.
O interessante é que nós somos a sociedade. Os outros, em grande parte das ocasiões, são um reflexo de nós mesmos. É claro que a sociedade do controle descrita por Foucault existe, mas nós somos ao mesmo tempo suas vítimas e algozes.
As pessoas vivem tão profundamente a sociedade que ela se torna a única realidade concreta. Tudo o que existe, o que faz sentido e norteia encontra-se abarcado pelos valores sociais. O antropocentrismo iluminista alienou de tal maneira a humanidade que é necessário um esforço hercúleo para perceber algo além dela mesma.
Entretanto, a sociedade constitui-se meramente de convenções, e como tal, pode ser quebrada sem, no entanto, nos colocarmos à parte dela.
Se conseguirmos nos colocar como observadores externos, perceberemos que estas convenções só fazem sentido dentro do contexto a que estão aplicadas – a própria sociedade humana. É desejável, dentro do grupo, que constituamos uma massa uniforme, que consigamos poder, sucesso e o ideal romantizado do amor, mas não há uma razão em si para que os obtenhamos. Um amigo me disse que só sofre com o julgamento quem se considera digno dele. Do mesmo modo, os valores sociais só adquirem importância para quem os considera importantes; do contrário, a pressão social torna-se um fato insignificante.
A condenação humana está em sua ilusão de liberdade obrigatória, mas alguns dos trincos que nos cerceiam são, na realidade, fruto de nossa própria cegueira.
14 comentários:
Com a frase "estamos condenados a ser livres" acho que Sartre quiz dizer que dada uma certa circusntância, podemos optar entre as diferentes possibilidades que se apresentam, né?
Mas podemos analizar nossa própria vontede como sendo governada por leis biológicas, ou físicas, e aí não há liberdade nenhuma, apenas agimos de acordo com as leis da natureza.
Como fica aí a ótica sartreana?
É, na verdade ele quis dizer que dada a circunstância, não há como não optar. Mas é bem verdade que ele acha que existe opção real.
Analisando como vc colocou, contesta-se a ótica sartreana, claro. E essa é a idéia, mesmo.
Mas só como adendo, eu não afirmei que agimos apenas de acordo com as leis da natureza, mas que somos moldados a partir delas e do meio. E a nossa vontade vem da gente.
hum...
ok, obridago!
Irmãããã!
Engraçado vc ter postado esse texto... esses dias estava discutindo com uma amiga a esse respeito, com uma visão um pouco diferente da liberdade, mas ainda assim... =)
Só chego a uma conclusão: não existe liberdade absoluta! E se passasse a existir, acho que as pessoas teriam medo disso! Mesmo aquelas que buscam incessantemente por isso, talvez se elas atingissem a liberdade plena ficariam sem saber o que fazer, meio que paralisadas...
Mas de qualquer forma, acredito que essa necessidade de sentir-se livre é o que ferra as pessoas, porque ficam a vida inteira em busca de algo que possivelmente nunca irao alcançar e sofrem com essa busca interminavel. Liberdade, livre arbítrio... me parece que tudo isso é apenas um estado de espírito, mas nunca real de fato!
Ai, Rapha, como sempre eu não sei de onde vc tira, sou sua fã. rsrs
Concordo plenamente contigo, e adorei a sua definição de liberdade como estado de espírito. Talvez no fim seja isso mesmo.
Acho que a liberdade total seria mesmo uma perda de paradigmas. Quanto mais a gente se aproxima (já que é impossível alcançar), acho que a gente fica flutuando, sem onde se apoiar.
Mas não sei pq a gente quer tanto e tanto, se realmente é muito mais cômodo não ter liberdade.
beijos, irmã!!!
É...tb nao sei de onde eu tiro, mas talvez seja do mesmo lugar que vc.... =x hahaha ;)
É, concordo que a liberdade possa ser uma perda de paradigmas, e isso só prova o quão impossível é atingir esse estado, pq a sociedade como um todo (incluindo relações sociais, moral, ética, religião...) impõe alguns paradigmas dos quais não se pode desvencilhar, acabam se tornando praticamente inatos! rs É claro que esses que se fixam não são os mesmos pra todos, mas acredito que todos tenham algum!
Excelente texto!
Concordo com a Raphaela quando ela diz sobre a liberdade ser, talvez, apenas um estado de espirito.Eu creio plenamente que sim,a liberdade é absolutamente "espiritual" ou emocional(?), e que acabamos nos perdendo e nos angustiando buscando a liberdade fora de nós mesmos.Não penso que natureza e seus aspectos fisiologicos cheguem a ser grilhões.Até mesmo "valores sociais" não passam de regras de convivência harmoniosa, sem quais nossa própria sobrevivencia estaria ameaçada, nada a ver com a real liberdade.Liberdade, para mim, é a escolha que se faz de se comprometer profundamente com algo em que crê e ir á luta por isso.Liberdade é coragem,liberdade é destemor, é amor a sí próprio e ao que se quer SER ou REALIZAR.
Existe o Livre Arbitrio sim, já que podemos romper valores sociais, que habitualmente respeitamos por acomodação ou inconsciência, e escolher dentro dos nossos valores, estes adquiridos através de conhecimento de sí mesmo e do que se deseja para a própria existência.LIBERDADE é a escolha honesta que vem do mais profundo do ser humano,sem enganar a sí próprio.Talvez por isso, ela, a LIBERDAE, seja tão desejada e tão dificil de ser adquirida,pois para obte-la necessitamos, antes de tudo, de uma coragem maior ainda.
Bjos
Sra. Sartreana (rsrs),
Não discordo totalmente, mas acho que, no fundo, a partir do momento em que somos limitados por toda uma série de contingências, a liberdade é ilusória. Vc nunca vai poder fazer ou ser o que quiser, ou ter para si todas as opções possíveis, ou ainda não querer optar nem ser imposto. É impossível se desvencilhar de si mesmo, é impossível não seguir certas regras, enfim...
Mas é claro que o fato de existirem os grilhões não necessariamente significa sentirmos eles como tal. A liberdade total seria mesmo incompatível com a vida! rsrsrsrs
Talvez não sentir as grades como grades seja o segredo do tal estado de espírito.
Paula!!!
Vc disse tudo com a frase.."Talvez não sentir as grades como grades seja o segredo..."!
É isso aí, que tal sentirmos as grades como um..."faz parte"? Por que gastarmos energia demasiada lutando contra elas? E talvez se as incorporássemos simplesmente e deixar de valorizá-las em demasia?
Tipo..se não posso lutar contra a enorme onda que vem do mar vou usá-la para ir mais longe?
Pense nisso...
Tudo bem, pode até ser. Mas aí já é algo bem mentalista, que culmina mesmo no estado de espírito.
Fiquei pensando sobre isso, e cheguei á conclusão que no fim o "espírito de liberdade", o "sentir as grades" é como o problema de auto-imagem de uma bulímica... Só porque ela se vê e se sente gorda, não quer dizer que realmente seja. rsrs
De qualquer modo, se passarmos para o relativismo acaba a discussão, como sempre. Se a realidade remete ao sujeito, então a auto-imagem do exemplo passa a ter concretude. (Só que até o coelhinho da páscoa é concreto nessa perspectiva. rsrs).
Estive lendo e pensando....será que até determinado ponto, o do realismo, de alguma forma o solipsismo não seja real? Isto é, a liberdade, os grilhões, as escolhas..etc, somos nós mesmos? partem e existem de nós mesmos? Que necessitamos do cerceamento do outro apenas para nos validar? Acho qie estou pirando..rsrsrs
O que quer dizer com "necessitamos do cerceamento do outro apenas para nos validar"?
(Preciso atualizar esse blog. Mas parece que tudo o que escrevo é relativo a isso, deve ser idéia fixa. rsrsrs
Saudades, viu, Sartreana.)
Porque penso que é através dos limites impostos pelos outros a nós é que acabamos por de fato nos concientizarmos do nosso EU...rsrsrsrs
Que post fantástico...
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