sábado, 8 de agosto de 2009

Uno et unum




O ponto principal de argumentação favorável ao monismo seria que duas entidades fundamentais com algo em comum não seriam verdadeiramente fundamentais, pois teria algo anterior a elas na escala ontológica, que seria o "'ponto em comum". Poderia ser representado, então, na forma de gradações.

Já o dualismo se fundamenta principalmente no próprio pensamento cartesiano, onde o sujeito é separado do objeto, e os objetos constituem unidades fundamentais em qualquer escala. Uma representação seria o sistema binário dos programas.

A nossa percepção é predominantemente dualista.
Percebemos, por exemplo, a gradação da luz até que se torne escuro, e isso seria a princípio uma percepção fundamentalmente monista. Mas, mesmo nessa gradação, dualizamos, porque vemos a progressão como "agora está mais claro que escuro", "agora, está meio a meio", "agora está mais escuro do que claro"... Ou seja, nossa percepção da gradação não é de unidade entre os dois objetos, mas uma mistura de objetos distintos.

Ao mesmo tempo, nossa lógica é também predominantemente dualista.
Temos a tendência a categorizar os objetos, porque, assim, se obtêm menos variáveis. Categorizando, obtemos elementos fixos que se confundem entre si, mas os dualizamos frente aos demais. Uma lógica com elementação monista é um tanto inviável, porque deveria envolver todos os "pontos em comum" de todos os objetos analisados, o que significaria infinitas variáveis. Além disso, estabelecemos relações claras de causa e efeito. Bem, se há uma causa para um efeito, estes são a princípio entidades diferentes.

O problema parece resolvido, de modo favorável ao dualismo. Mas vamos analisar com maior escrutínio a questão, exemplificando com a matemática.

Os números 1 e 2 são diferentes. Mas sabemos que, entre ambos, há infinitos números.

A princípio, se há gradação, há progressão. E, se há uma progressão, há o dualismo entre seus estágios, mesmo que infinitamente próximos. Mesmo em um número infinito, haverá um valor tal que o separe do próximo número. Por mais pontos em comum que 1,99(...)8 e 1,99(...)9 tenham, o ínfimo 8 e 9 da última casa devem ser duais, do contrário, não haveria progressão.
Então, mesmo indo ao infinito no conjunto numérico, a progressão se dará a partir de infinito + 1 em algum ponto.

Mas, entre o 8 e o 9 da última casa, também há infinitos números. Portanto, a abordagem correta seria que uma progressão se daria a partir de infinito + infinito em cada um dos pontos. Mas infinito + infinito é a mesma coisa que infinito. Portanto, sempre haverá um ponto em comum, mesmo numa progressão! Isso torna, portanto, o 1 e o 2 não diferenciados como unidades fundamentalmente distintas, apesar de haver uma progressão que os torna pontos extremos, e, portanto aparentemente diferentes.

Mas o universo não é só 1 e 2. É uma progressão dual de 0 a Z (sendo Z uma representação imaginária forçada do último infinito número, para tornar o conjunto finito).
Se observarmos o conjunto total de 0 a Z, esta progressão com infinitos números em comum faz com que, pela mesma lógica acima, todos os objetos sejam efetivamente os mesmos, apesar de diferentes.

Mas se considerarmos os pontos 1 e o 2, isoladamente, e depois o 3 e o 4, essa lógica não se validará. Entre o 1 e o 2 há infinitos números, e entre o 3 e o 4 também. Mas os infinitos números entre 1 e 2 não são os mesmos que entre 3 e 4, porque o início da progressão se dá em valores diferentes. Isso leva a impressão, portanto, que "1 e 2" e "3 e 4" são conjuntos qualitativa e quantitativamente diferentes. Ou seja, duais.

Entretanto, no caso dos números, nós podemos perceber claramente que os conjuntos "1 e 2" e "3 e 4" são uma amostragem tendenciosa, porque ignoramos a gradaçao entre 2 e 3. Então, nesse caso, o aparente dualismo é fruto de nossa retirada de variáveis reais.

Este problema de amostragem pode ser aplicado a realidade como um todo. Seria algo semelhante a nunca ter saído do Amazonas, e perguntar a você como é a vegetação em Goiás. Com a descrição, eu provavelmente teria a idéia de uma ilha do cerrado absolutamente separada da ilha da floresta. Mas, se observarmos bem, a zona de intersecção é tão grande e dinâmica que na prática é praticamente impossível saber quando é que começa uma e termina a outra.

Quando resumimos a matéria a seu elemento fundamental, esta lógica que leva ao monismo nos números se aplica. Tudo bem, que a física coloca partículas como os quarks, que seriam destituídas de matéria, como o elemento fundamental, e não algo como o infinito. Mas, a partir do momento em que são os mesmos, independentemente da qualidade desta matéria, eles representam o "ponto em comum" em toda a realidade, como o infinito faz com os números.

Mas então, me surge um outro paradoxo, sem resposta:

Como é possível a lógica e a percepção se darem de modo dual, e, através desta mesma lógica dual, concluir que o monismo é mais próximo do real do que o dualismo?

3 comentários:

Maria Regina disse...

Paula!
Será talvez por que para chegarmos a lógica dualista temos que partir do monismo?Por que tudo é monista a principio certo?
Assim...conhecemos o claro ( monista) e o escuro( monista) e é através desse conhecimento que chegaremos a todas e possiveis dualidades???Tem logica? rsrsrs
Sei la, pensei nisso agora, enquanto lia seu texto, não conheço nada sobre isso....

Paula Moiana da Costa disse...

Bom, tudo é monista a princípio na minha opinião... o que não quer dizer que realmente seja. rsrs

Mas não tem como haver um monismo incluindo o claro e escuro como unidades. Se existem duas unidades, então é dualista.

Cássio disse...

Talvez o lógica dualista, cartesiana, seja a "lente" pela qual olhamos o mundo. E o mundo seja, de fato, na essência, monista. E o que "enxergamos" pela lente dualista seja uma mera representação da realidade. Mas isso não nos impediria de compreender a sua real natureza monista.
Para ilustrar, de modo grosseiro, quando olhamos o mundo por uma camera de vídeo, o vemos em duas dimensões, mas isso não nos impede de compreender a sua natureza tridimensional, porque essa é a sua real natureza. Independentemente do instrumento que utilizemos para analisá-lo.