sábado, 22 de agosto de 2009

Quando o sexo não tem nenhum rock'n roll

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Há uma idéia corrente e explicitada principalmente sob a forma de humor de que homens se cansam da monogamia compulsória. A esposa aparece na figura da megera que o impede de ser sexualmente livre; a namorada é colocada sob a forma da fêmea que está á disposição quando não há possibilidades de sexo com outras mulheres. Fazer sexo com a mesma mulher por um longo período de tempo é colocado como um sacrifício.


Ao mesmo tempo, existe a idéia de que as mulheres se interessam menos por sexo do que os homens. A famosa desculpa da “dor de cabeça” é um exemplo disso. Parece que os homens se frustram porque as mulheres não estão sempre prontas para o sexo – mesmo que elas estejam na figura da esposa-megera. As próprias mulheres se gabam, muitas vezes, de não possuírem um grande desejo sexual. Falam do sexo como um fisiologismo barato e inferior, que não merece uma grande atenção. A maioria das piadas femininas ridiculariza a suposta obsessão masculina pelo sexo.



Algumas vão além. Diversas autoras feministas colocam o ato sexual como uma violência, remetendo à dominação social masculina. Outras descrevem o casamento como um estupro consentido, ou até mesmo uma forma de prostituição.


Mas pensemos um pouco.


A reprodução é o objetivo maior da existência do indivíduo, o modo a devolver seus genes ao pool gênico. O sexo existe como uma forma de reprodução com alto valor adaptativo; tão alto que é extremamente disseminado na natureza. A monogamia é rara, mas tem grandes vantagens adaptativas relacionadas ao cuidado parental – provavelmente uma sociedade humana “promíscua” não teria uma mortalidade infantil tão baixa quanto a que nossa espécie apresenta. A priori, portanto, ambos os gêneros deveriam ser interessados no sexo e na monogamia, de forma equivalente.


Porque, então, esta idéia de que os homens se interessam mais por sexo (incluindo o quesito “variedade”) e as mulheres se sentem forçadas a ceder aos impulsos sexuais masculinos, sem um desejo real?


O desejo sexual está intimamente relacionado aos hormônios sexuais. A testosterona é o principal responsável, mas em mulheres os progestágenos também cumprem este papel de estimulador do desejo. Entretanto, enquanto nos homens a produção de testosterona é algo constante, as mulheres passam ciclicamente por diversas flutuações na expressão destes hormônios.


Não há, entretanto, menção aceita à idéia de um cio humano. Em animais isto é óbvio: as fêmeas só aceitam a cópula durante o cio, e os machos geralmente só buscam fazê-lo quando a fêmea está neste período ovulatório. Em humanos sabe-se que existe um período determinado para a ovulação, mas não se fala em cio porque as mulheres aceitam a cópula em qualquer ocasião – e os homens as buscam também de modo independente ao ciclo hormonal feminino.


Será mesmo?


Vamos imaginar a seguinte situação: um cão macho está preso em um canil na companhia de duas fêmeas. Quando estas estiverem no cio, ele provavelmente copulará com ambas. Mas nas ocasiões em que elas estiverem em outros períodos do ciclo, elas se recusarão a fazê-lo mesmo que o macho porventura as assedie. Entretanto, outras cadelas fora dali estarão no cio – já que não se trata de um intervalo de tempo universal e padronizado entre indivíduos. Mesmo com duas fêmeas a seu lado, este macho se esforçará por livrar-se de alguma forma do que o encerra no canil, a fim de buscar a cópula com as fêmeas que estão no cio. Seria mais fácil ele abordar as próximas, e até mesmo forçar uma situação, mas ele estará mais interessado na outras neste momento.


Passemos, agora, ao que ocorre com os humanos. Porque será que as mulheres apresentam um interesse menos persistente no sexo, e algumas se sentem violentadas com as “obrigações conjugais”? Porque os homens consideram fastidioso fazer sexo com a mesma mulher indefinidamente, sempre que sentem algum desejo?


O famoso evolucionista Dobzhansky comenta, em seu livro (1), sobre a vantagem adaptativa da monogamia sexual. Ele diz que é interessante o intercurso sexual constante, porque as mulheres não possuem um período de cio definido. Esta constância aumentaria as probabilidades de o ato sexual coincidir com o período de ovulação e, portanto, otimizaria as chances de reprodução.


É possível, entretanto, que a lógica seja inversa. O intercurso sexual constante, resultado da idéia de monogamia, mascara o cio feminino. Como resultado de um valor social, o casamento e instituições do gênero (namoro, noivado, e situações que remetam ao amor romântico) colocam que o sexo só pode ser feito com o parceiro. Comparando com o exemplo dos cães, os homens, então, se vêm obrigados a satisfazer seus impulsos sexuais com a “fêmea próxima”, mesmo que ela não esteja no momento adequado – o que gera o fastio. As fêmeas se vêm pressionadas a atender a estes desejos masculinos, mesmo que este não seja também o seu desejo, para evitar que ele faça sexo com outras mulheres “fora do canil”.


A maneira como se dá os relacionamentos em nossa sociedade é interessante sob vários aspectos. Otimiza o cuidado parental, torna a família uma célula organizada da sociedade, permite a estipulação dos papéis sociais de forma clara. Enfim, é parte de um sistema social que indubitavelmente promove a coesão da espécie.


Mas para que estes relacionamentos ocorram, é necessário subjugar alguns comportamentos instintivos à valores estabelecidos, que podem ser denominados de forma única como amor romântico.


O mito do amor romântico traz em si o ideal antropocêntrico de que os fisiologismos não afetam nossa espécie. São considerados apenas um efeito colateral da existência; jamais devemos nos deixar vencer por eles. Ao mesmo tempo, tem imbutida a idéia de que apenas um ser escolhido, especial e único, deve ser digno do amor. Isso vem acompanhado de uma série de exigências muitas vezes extremadas, que levam à eterna frustração e à rima poética na forma de doxa entre amor e dor. Mas é claro: sabemos que nossos instintos devem ser sacrificados em prol da sociedade; nada mais justo do que a escolha de um parceiro ideal para que este sacrifício seja efetuado.


O principal motivo de desentendimento entre homens e mulheres em um relacionamento se dá no âmbito sexual. Isto porque não somos conscientes dos paradoxos de nosso comportamento social, e cada um dos gêneros se sente insatisfeito no que se refere aos desejos. O culpado sempre é o outro, por representar exigências que levam inexoravelmente á frustração.


Mas analise seus desejos e responda a si mesmo: nós realmente somos tão diferentes dos cães?



Referências


(1) Dobzhansky, T. G. O Homem em Evolução. Editora da USP, SãoPaulo, 1968.


Tirinha inicial: www.umsabadoqualquer.com



sábado, 8 de agosto de 2009

Uno et unum




O ponto principal de argumentação favorável ao monismo seria que duas entidades fundamentais com algo em comum não seriam verdadeiramente fundamentais, pois teria algo anterior a elas na escala ontológica, que seria o "'ponto em comum". Poderia ser representado, então, na forma de gradações.

Já o dualismo se fundamenta principalmente no próprio pensamento cartesiano, onde o sujeito é separado do objeto, e os objetos constituem unidades fundamentais em qualquer escala. Uma representação seria o sistema binário dos programas.

A nossa percepção é predominantemente dualista.
Percebemos, por exemplo, a gradação da luz até que se torne escuro, e isso seria a princípio uma percepção fundamentalmente monista. Mas, mesmo nessa gradação, dualizamos, porque vemos a progressão como "agora está mais claro que escuro", "agora, está meio a meio", "agora está mais escuro do que claro"... Ou seja, nossa percepção da gradação não é de unidade entre os dois objetos, mas uma mistura de objetos distintos.

Ao mesmo tempo, nossa lógica é também predominantemente dualista.
Temos a tendência a categorizar os objetos, porque, assim, se obtêm menos variáveis. Categorizando, obtemos elementos fixos que se confundem entre si, mas os dualizamos frente aos demais. Uma lógica com elementação monista é um tanto inviável, porque deveria envolver todos os "pontos em comum" de todos os objetos analisados, o que significaria infinitas variáveis. Além disso, estabelecemos relações claras de causa e efeito. Bem, se há uma causa para um efeito, estes são a princípio entidades diferentes.

O problema parece resolvido, de modo favorável ao dualismo. Mas vamos analisar com maior escrutínio a questão, exemplificando com a matemática.

Os números 1 e 2 são diferentes. Mas sabemos que, entre ambos, há infinitos números.

A princípio, se há gradação, há progressão. E, se há uma progressão, há o dualismo entre seus estágios, mesmo que infinitamente próximos. Mesmo em um número infinito, haverá um valor tal que o separe do próximo número. Por mais pontos em comum que 1,99(...)8 e 1,99(...)9 tenham, o ínfimo 8 e 9 da última casa devem ser duais, do contrário, não haveria progressão.
Então, mesmo indo ao infinito no conjunto numérico, a progressão se dará a partir de infinito + 1 em algum ponto.

Mas, entre o 8 e o 9 da última casa, também há infinitos números. Portanto, a abordagem correta seria que uma progressão se daria a partir de infinito + infinito em cada um dos pontos. Mas infinito + infinito é a mesma coisa que infinito. Portanto, sempre haverá um ponto em comum, mesmo numa progressão! Isso torna, portanto, o 1 e o 2 não diferenciados como unidades fundamentalmente distintas, apesar de haver uma progressão que os torna pontos extremos, e, portanto aparentemente diferentes.

Mas o universo não é só 1 e 2. É uma progressão dual de 0 a Z (sendo Z uma representação imaginária forçada do último infinito número, para tornar o conjunto finito).
Se observarmos o conjunto total de 0 a Z, esta progressão com infinitos números em comum faz com que, pela mesma lógica acima, todos os objetos sejam efetivamente os mesmos, apesar de diferentes.

Mas se considerarmos os pontos 1 e o 2, isoladamente, e depois o 3 e o 4, essa lógica não se validará. Entre o 1 e o 2 há infinitos números, e entre o 3 e o 4 também. Mas os infinitos números entre 1 e 2 não são os mesmos que entre 3 e 4, porque o início da progressão se dá em valores diferentes. Isso leva a impressão, portanto, que "1 e 2" e "3 e 4" são conjuntos qualitativa e quantitativamente diferentes. Ou seja, duais.

Entretanto, no caso dos números, nós podemos perceber claramente que os conjuntos "1 e 2" e "3 e 4" são uma amostragem tendenciosa, porque ignoramos a gradaçao entre 2 e 3. Então, nesse caso, o aparente dualismo é fruto de nossa retirada de variáveis reais.

Este problema de amostragem pode ser aplicado a realidade como um todo. Seria algo semelhante a nunca ter saído do Amazonas, e perguntar a você como é a vegetação em Goiás. Com a descrição, eu provavelmente teria a idéia de uma ilha do cerrado absolutamente separada da ilha da floresta. Mas, se observarmos bem, a zona de intersecção é tão grande e dinâmica que na prática é praticamente impossível saber quando é que começa uma e termina a outra.

Quando resumimos a matéria a seu elemento fundamental, esta lógica que leva ao monismo nos números se aplica. Tudo bem, que a física coloca partículas como os quarks, que seriam destituídas de matéria, como o elemento fundamental, e não algo como o infinito. Mas, a partir do momento em que são os mesmos, independentemente da qualidade desta matéria, eles representam o "ponto em comum" em toda a realidade, como o infinito faz com os números.

Mas então, me surge um outro paradoxo, sem resposta:

Como é possível a lógica e a percepção se darem de modo dual, e, através desta mesma lógica dual, concluir que o monismo é mais próximo do real do que o dualismo?