“SOLIPSISMO (in. Solipsism; fr. Solipsisme, ai. Solipsismus; it. Solipsismo): Tese de que só eu existo e de que todos os outros entes (homens e coisas) são apenas idéias minhas. Os termos mais antigos para indicar essa tese são egoísmo (cf. WOLFF, Psychologia rationalis, § 38; BAUMGARTEN, Met., § 392; GANUPPI, Saggio filosófico sulla critica delia conoscenza, IV, 3, 24, etc), egoísmo metafísico (KANT, Antr., I, § 2) ou egoísmo teórico (SCHOPENHAUER, Die Welt, I, § 19). Kant empregou o termo Solipsismo para indicar a totalidade das inclinações que produzem felicidade quando satisfeitas (Crít. R. Prática, I, livro 1, cap. III; trad. it, p. 85); esse mesmo termo foi empregado para indicar o egoísmo metafísico por alguns escritores alemães da segunda metade do séc. XIX (cf. SCHUBERT-SOL-DERN, Grundlagen zu einer Erkenntnistheorie, 1884, pp. 83 ss.; W. SCHUPPE, Der Solipsismus, 1898; H. DRIESCH, Ordnungslehre, 1912, pp. 23 ss., etc). Freqüentemente, o Solipsismo foi declarado irrefutável, pelo menos com provas teóricas: tal era a opinião de Schopenhauer (loc. cit), muitas vezes repetida (cf. RENOUVIER, Les dilemmes dela métaphysique purê, 1901; A. LEVI, Sceptica, 1921; SARTRE, Vêtre et le néant, 1943, p. 284). Foi a aceitação (explícita ou implícita) dessa tese que por vezes levou a adotar o Solipsismo como ponto de partida obrigatório da teoria do conhecimento (cf., p. ex., DRIESCH, Op. cit., p. 23) ou como procedimento metodológico (SCHUBERT-SOLDERN, Op. CÜ., pp. 65 SS.). “ (1)
É comum ouvirmos de crianças o questionamento sobre a concretude da realidade. Não poderíamos estar sonhando? Será que você existe mesmo, ou faz parte do meu sonho?
Nós, adultos, costumamos estabelecer esta filosofia infantil como ilógica. Mas ela remete a um questionamento filosófico antigo e amplamente discutido, de uma razão estarrecedora: o solipsismo.
Qual a diferença entre estarmos sonhando e o mundo só existir em nossa mente? Se estamos sonhando, criamos toda a realidade, e não há necessariamente nada além dessa realidade. Ou seja, tudo existe em sua mente, apenas. Então, a realidade seria mesmo completamente subjetiva.
Mas esta subjetividade é não relativista, porque admite a existência de apenas um único sujeito criando toda a realidade, e não vários sujeitos, criando realidades próprias. Como inferir que há outros sujeitos, se sonhos são absolutamente próprios?
Um bom argumento contra a realidade dessa situação é o fato de que nossa imaginação é limitada. Sonhamos com o que experimentamos. Mas, então, teríamos que considerar que sonhamos objetivamente com o que vemos, e não é exatamente assim.
Por exemplo, se considerarmos que os deuses no decorrer da história foram criados. De onde teria surgido essa idéia? Não temos nenhuma elementação concreta para divindades. Os questionamentos e a sensação do exótico podem ter levado a criá-la, mas como criar algo que não existe em absoluto no campo das percepções? Como ter a idéia de abstração?
Nós temos a capacidade de unir idéias que ainda não se formaram totalmente e que, juntas, completam-se mutuamente. Estas idéias não-prontas nada mais seriam do que percepções incompletas, pensamentos abandonados, entre outras coisas. Quando estas idéias se unem, elas originam um elemento absolutamente diferente, que nos parece estranho. E isso dá a impressão de que aprendemos algo novo. Como num "insight".
Se A + B gera C, o C normalmente não é percebido como decorrente de A + B, por ser um elemento efetivamente diferente. É a capacidade combinatória do Witz, decorrente do conceito estabelecido por Freud. (2)
Então, você pode estar agora lendo coisas sobre as quais não tinha pensado, mesmo sonhando.
Se considerarmos que você nunca esteve acordado, o A e o B podem ser pensamentos. A associação destes pensamentos soltos poderia criar a realidade percebida, através do Witz. E como quem criou a realidade teria sido você mesmo, todas as pessoas presentes no seu sonho compartilhariam dela, porque você as criou também como parte desta realidade.
Não há zero experiência, porque há a sensação de sua própria existência. A partir do momento em que você existe, há alguma coisa como ponto de partida. As idéias podem ter se combinado, e gerado novas, até estruturar toda a realidade.
Outra questão é a que o fim último desta hipótese seria "eu criei a realidade assim". Mas, do mesmo modo, um teísta pode responder a todas as perguntas com "Deus criou a realidade assim", e um ateísta poderia fazer alusão ao absurdo da existência, tirando o sentido conseqüente de qualquer outra coisa.
Se o "eu" faz parte do sonho, cai-se no problema de quem é o sujeito que está sonhando.
O sujeito que está sonhando deve ter criado a sí próprio (enquanto sujeito) e, a partir daí, criado a realidade onírica. O sujeito, portanto, é "Deus". A diferença é que, no caso, Deus seria você mesmo, enquanto indivíduo, e não algo externo a você. E chega-se ao mesmo problema existencial que temos com ou sem realidade concreta.
Isto não significa, entretanto, que você tenha controle sobre esta realidade. Como não tem controle total sobre o seu corpo ou sobre seus pensamentos. E também não significa que você necessariamente compreenda a estrutura de tudo o que foi criado, exatamente porque não tem controle sobre a sua mente. Seus próprios pensamentos não são controlados por você, seus sonhos não são controlados por você. Porque uma realidade criada em sua mente deveria necessariamente ser? Assim, você é obrigado a viver as regras da realidade que criou. Não tem como mudá-las.
E mesmo com esse impasse existencial, as questões sobre como se estrutura a realidade persistem.
Entretanto, mesmo sob o ponto de vista materialista, toda a nossa percepção da realidade se dá através dos sentidos e da lógica. Não dispomos de outras ferramentas para isso. Então, tudo o que é real e concreto tem sua parcela de subjetividade, porque a informação tem que ser processada em nosso cérebro, passa por nós. Concretamente, o que dispomos é de estímulos neuronais. Se esta resposta é em decorrência de um estímulo externo ou se ela é independente, a percepção é a mesma. Se tudo passa pela subjetividade, mesmo a sua idéia da existência dos outros, do social, é subjetivo. Remete a você.
Não há, portanto, como se provar que exista algo além de você mesmo.
Por outro lado, para determinar a existência de algo, deve-se partir do princípio de que este algo não existe, até que dê provas de sua existência. Não podemos provar que algo existe só porque não dá provas da inexistência, porque a inexistência não deixa provas!
Se eu te digo: existem gnomos no jardim. Como você vai fazer para descobrir se é verdade? Você vai procurar evidências desta existência. Se não há evidências, vai concluir que os gnomos não existem. Se não há provas da existência de uma realidade concreta fora da sua mente, não há, portanto, motivos para inferir sua existência.
O solipsismo pode, no entanto, promover um pensamento circular. Se o sistema de regras metafísicas só existem em sua mente, significa que eles não são reais concretamente. Mas para que você faça alguma inferência a respeito da realidade, é preciso usar premissas. E estas premissas devem ser obtidas a partir do que indubitavelmente é real. Portanto, se a realidade só existe em sua mente, suas premissas não são confiáveis. E se elas não são confiáveis, você não pode estabelecer que a realidade só existe em sua mente.
Mas se não há absolutamente nada além da realidade criada por sua mente, se só você existe, as premissas se tornam confiáveis. Afinal, o criado passa a ser concreto, porque é a única realidade existente. E qualquer inferência que você faça a partir da realidade usando suas premissas irá descrevê-la. Afinal, não há nada além daquilo que foi criado.
A grande questão que permanece é: se o solipsismo é de uma razão plena, porque “intuímos” que ele é absurdo?
Referências:
(1) ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontex, 1998.
(2) CAVALHEIRO, F. Sincronicidade e Witz. Rubedo – Revista de Psicologia Junguiana e Cultura, 3: 9, 2001.
1 comentário:
Intuimos porque não gostamos da idéia de estarmos sozinhos...
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